* por Luís Filipe Cristóvão no Plano de Salvamento:
"Diz José Afonso Furtado que hoje não é possível sequer imaginar a dificuldade que era encomendar uma edição brasileira na Lisboa do início dos anos 90. Nessa altura, como hoje, encomendar um título estrangeiro na maior parte das livrarias portuguesas significa esperar interminavelmente por notícias que só chegam tarde, quando chegam. Mas, com o advento das compras online, passeia-se pelas diversas lojas da rede e, consoante o país de origem do livro que se procura, depressa se encontra a forma de o obter. Em menos de uma semana, chega-nos a casa o livro, sem esperas, nem chatices e, boa parte das vezes, sem despesas adicionais que nos façam pensar duas vezes. Ao olhar as estatísticas, os editores, que procuram novas estratégias para fazer chegar o seu produto ao cliente final com um mínimo de intermediários, pensam descobrir o filão de ouro: afinal, com um bom site, um escritório bem localizado, a venda directa torna-se uma realidade e, livros que no circuíto normal são vendidos com 50 a 60% de desconto da parte dos editores poderão ser vendidos com um desconto de 20%, vendo-se bem que ganhos surgem aqui. Como refere, e bem, Diogo Madre Deus, da Cavalo de Ferro, "se soubessemos quem são os nossos mil, dois mil, cinco mil leitores, não precisávamos das livrarias". Para este fenómeno também contribuem as livrarias - as grandes cadeias, em nome do melhor preço, cortam no atendimento ao cliente, abrindo postos de trabalho em livrarias com os mesmos critérios de selecção de uma caixa de hipermercado, as pequenas livrarias das grandes cidades reformam-se, as da província não pagam e assim é cada vez mais difícil encontrar, primeiro, uma livraria onde se vendam livros, segundo, uma livraria onde alguém nos possa aconselhar devidamente. Livreiros, hoje em dia, é coisa que já só existe nas declarações do I.R.S. As grandes superfícieis, senhoras de cerca de 70% das vendas de livros em Portugal, passam assim a dominar o panorama da venda livreira. Pagam menos, mas pagam. Expõem menos, mas expõem. Cobram por tudo e por nada, mas é lá que os clientes estão. As editoras fecham os departamentos comerciais, lidam directamente com os dois ou três clientes (Fnac, Bertrand, Hipermercados) que lhes garantem a sobrevivência e entregam o remanescente do mercado a distribuidores que empregam comerciais com os mesmos critérios dos distribuidores de produtos cosméticos. Ao fim ao cabo, todos comemos com os olhos. É um sinal dos tempos, é uma reconfiguração do modo de vida dos leitores, mas é sobretudo um tempo que acaba. Acredito que, pessoas como eu, que compram mais livros quando visitam livrarias, que se sentem mais atraídas a comprar quando sentem na mão o objecto livro, são cada vez menos. A leitura como elemento de formação de carácter é algo do passado: hoje a formação faz-se especializada, nas escolas, e para o tempo de lazer existem umas tantas outras propostas mais aliciantes. A literatura, no meio de tanta palavra escrita, também vê esmorecer o seu mistério, e cumpre-se a palavra de Almada Negreiros no Manifesto Anti-Dantas, sendo cada vez mais óbvio que existem autores que saberão fazer tudo menos escrever, que é a única coisa que fazem. Não sou um romântico, mas custa-me, hoje, que tenho 26 anos, pensar que será cada vez mais díficil, no futuro, encontrar espaços de fruição do objecto livro. É, sobretudo, uma preocupação egoísta de quem sabe que, com o avançar da idade, vou ganhar tempo para ler e não vou ter uma livraria onde passear os meus olhos. A questão de cada vez se editar mais lixo, como refere o Luís Oliveira, da Antígona, não será tão preocupante. Séculos de literatura mantém suportável o tempo médio de vida de um ser humano. Agora, ficar sem um passeio por entre prateleiras de livros, é coisa com que eu não me conformo tão facilmente." |