Escreve Francisco José Viegas sobre a Feira do Livro:
"Muitos editores se lamentam de que a Feira do Livro correu mal – que foi a pior dos últimos trinta anos. O lamento é um exercício fácil, comovente e barato. Também se lamentam pelo absurdo e inexplicável facto de decorrerem muitos «eventos» durante o período da Feira, coisa que afastou leitores e desmotivou a imprensa, preocupada com outros acontecimentos (outro absurdo). Finalmente, lamentam-se pela quebra de vendas, o facto que realmente interessa. Nada de perder a esperança. Há soluções para tudo: 1) proibir a realização de campeonatos do mundo de futebol, bem como de festivais SuperBock/SuperRock ou Rock-in-Rio e seja lá o que for (ópera no S. Carlos, Sopranos na tv, festival de churros & farturas, centros comerciais, farmácias) que possa concorrer com a Feira do Livro, estando dessa maneira garantida a ida à Feira de cidadãos que não têm mais nada para fazer; 2) fazer com que a Entidade Reguladora da Comunicação Social possa punir devidamente os jornais e as televisões que não repitam o discurso sobre a beleza que é a Feira do Livro, sobre o encantamento provocado pelo ajuntamento de livros nas barraquinhas e estendais e, até, sobre a «poesia autêntica» que é a leitura e etc.; 3) exigir que o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica proceda a alterações no regime climático habitual durante a Feira, proibindo vagas de calor ou aparições despropositadas de chuva e, até, empurrando o início do Verão para um mês mais tarde -- nada que não se possa fazer; 4) se esta foi a pior feira em trinta anos, isso deve-se, evidentemente, aos compradores de livros, que devem ser admoestados pelas autoridades competentes, pois não devem frequentar as outras 231 feiras e operações de saldo de livros que acontecem ao longo do ano, nem, até, ir a livrarias comprar livros que, eventualmente, queiram comprar (uma vez que a Feira tem de manter o seu nível de negócio, coisa incompatível com mudanças de hábitos dos cidadãos); 5) censurar os textos de opinião de comentadores obnóxios que referem coisas desmobilizadoras e atrevidas como o facto de se publicarem cerca de vinte livros por dia, ou mais -- coisa que não deve ser tida em conta quando se fala na percentagem de livros não «despachados» durante a Feira. Assim se consertará a Feira, e os editores não precisarão de pensar, imaginar ou organizar-se para que a Feira venha a ser diferente. Está salva a Feira." |