quinta-feira, julho 14, 2005 |
Na Festa Literária Internacional de Parati: |
Jogos literários que mudam o mundo "A literatura debruça-se e reflete sobre si mesmo para encantar e desencantar o mundo. E os jogos literários são um procedimento de transformar fantasia em realidade. “O escritor e o escrivão”, penúltima mesa da FLIP 2005, reuniu na tarde de domingo os escritores Enrique Vila-Matas e Gonçalo M.Tavares. Eles leram trechos de seus livros e falaram de suas obras, conhecidas por tematizar o universo da própria literatura.
O espanhol Vila-Matas leu um trecho de seu Bartleby e Cia, um romance que se inspira no escrivão Bartleby, personagem de Herman Melville. A passagem descreve o momento em que o protagonista do romance pensa ter visto o escritor J.D. Salinger dentro de um ônibus, na 5a Avenida de Nova York. Bartleby hesita em abordar o escritor americano, conhecido pela recusa em dar entrevistas e pela obsessão com sua privacidade. No mesmo ônibus, o protagonista também se apaixona por uma garota e fica dividido entre falar com um ou outro. No romance, Villa-Matas trata de uma galeria de escritores que renunciaram a continuar escrevendo (autor de Apanhador no campo de centeio, Salinger está há mais de 30 anos sem publicar).
Uma das pessoas da platéia quis saber se todos os personagens de Vila-Matas, mesmo os reais, podiam ser considerados imaginários. A resposta do escritor espanhol foi sucinta: “São tão imaginários que são reais”. Vila-Matas citou Elias Canetti para exemplificar até onde pode ir a atuação social de quem lida com a palavra escrita: “O escritor é um pássaro solitário que canta no escuro”. Ele disse ter se sentido impotente na época da Guerra do Iraque, mas que ficou resignado por confiar no poder da palavra para a vida. “A escrita pode salvar o homem até o impossível.”
O português Gonçalo M. Tavares leu uma série de textos curtos e muito divertidos. As pequenas composições do escritor, distribuídas por livros como O senhor Valéry, O senhor Brecht e O senhor Juarroz, podem ser definidas como pequenas fábulas surpreendentes e desconcertantes, inspiradas nas obras dos escritores citados nos títulos, que se abrem para uma possível interpretação política.
Para Tavares, a literatura lida com duas estratégias opostas e igualmente necessárias: encantamento e desencantamento. A primeira protege o leitor da agressividade do mundo; a segunda interrompe a “música” para esclarecer sobre uma realidade que não está sendo percebida. O autor usou uma metáfora curiosa para descrever a figura do escritor contemporâneo. Para Gonçalo, o autor de hoje tem de ser “extremamente vesgo” para, na quarta-feira, ser capaz de olhar para os dois domingos, o anterior e o seguinte. A imagem traduz a relação do escritor com o passado e a tradição literária (o domingo passado) e aquilo que a escrita projeta (o domingo que está por vir).
Os dois autores também participaram da mesa “Livro de cabeceira” — ao lado de Jeanette Winterson, David Grossman, Michael Ondaatje, Ronaldo Correia de Brito e Salman Rushdie —, que encerrou em grande estilo a programação da III Festa Literária Internacional de Parati."
in FLIP. |
posted by George Cassiel @ 12:00 da tarde |
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GEORGE CASSIEL
Um blog sobre literatura, autores, ideias e criação.
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"Este era un cuco que traballou durante trinta anos nun reloxo. Cando lle
chegou a hora da xubilación, o cuco regresou ao bosque de onde partira.
Farto de cantar as horas, as medias e os cuartos, no bosque unicamente
cantaba unha vez ao ano: a primavera en punto."
Carlos López, Minimaladas (Premio Merlín 2007)
«Dedico estas histórias aos camponeses que não abandonaram a terra, para encher os nossos olhos de flores na primavera»
Tonino Guerra, Livro das Igrejas Abandonadas |
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