quarta-feira, fevereiro 16, 2005
António Franco Alexandre já recebeu Grande Prémio APE de Poesia 1999
O poeta que experimenta por Alexandra Lucas Coelho, Público, 14 de Setembro de 2000.

Para António Franco Alexandre, a poesia e improvisação e cada livro ama experiência. O júri do Grande Prémio de Poesia, APE 1999 quis distinguira força dessa invenção e foi unânime ao escolher o seu último livro "Quatro Caprichos". Que venham mais leitores para versos assim: "Como quem/ quer dizer-te: não morres nunca mais."

Se os prémios ajudam a ganhar leitores, festejemos a atribuição ontem do Grande Prémio de Poesia APE 1999 a "Quatro Caprichos", de António Franco Alexandre. Há mais de 30 anos que este poeta, esquivo a manifestações públicas e avesso a toda a repetição, constrói uma obra singular, renovada a cada livro. Editado em Abril do ano passado pela Assírio & Alvim, "Quatro Caprichos" é uma das criações mais intensas e surpreendentes da poesia portuguesa contemporânea.

Foi precisamente essa novidade e essa força que o júri quis distinguir, ao escolher por unanimidade o livro de Franco Alexandre num ano em que foram publicados "Baldios", de José Tolentino Mendonça, "Bellis Azorica", de João Miguel Fernandes Jorge, "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança", de Manuel António Pina ou "Teoria Geral do Sentimento", de Nuno Júdice.

"Houve um grande consenso", resume Fernando Pinto do Amaral, membro de um júri composto ainda por Yvette Centeno, Helena Carvalhão Buescu, Ernesto José Rodrigues e Carlos Mendes de Sousa.

Sem nomear outros títulos discutidos, Pinto do Amaral refere que "havia outros livros bons, mas este representa uma renovação, um passo muito intenso em relação a livros anteriores e uma diferença na poesia portuguesa contemporânea, ao nível do estilo, do discurso".

Quanto ao prémio – no valor de dois mil contos, a ser entregue em data a anunciar –, Franco Alexandre declarou ao PÚBLICO simplesmente: "Acho agradável", ressalvando que "os prémios não garantem nada, significam apenas que algumas pessoas leram e gostaram". Mas se o efeito for mais algumas pessoas virem a ler, talvez se reforce o "eco muito ténue" que o poeta diz sentir em relação à sua poesia.

António Franco Alexandre, 54 anos, nasceu em Viseu, onde viveu até ir para Toulouse, França, estudar Matemática. Tinha 17 anos e acabara de publicar o seu livro de estreia, "Distância", o único que não veio a incluir na reunião da sua obra ("Poemas", Assírio & Alvim).

No livro agora premiado, Toulouse, onde viveu sete anos, é precisamente o cenário do "primeiro capricho", uma "narrativa mais ou menos obscura" (segundo resume o próprio autor) intitulada "le tiers exclu, fantasia política", em que as personagens são nomeadas por iniciais e cruzam memórias de corpos, copos, praças, livros, quadros, numa fluência quase de ladainha, de recitação, de mantra, em que irrompem frases, versos, palavras em alemão, francês, inglês.

"Dificilmente, contudo, / recordo o rosto de B., o corpo de B. às avessas / do ar, o sopro da boca de B., inclinando-se sobre a minha nuca. Dificilmente, contudo, recordo / o corpo do amigo talvez inocente de B. marchando / por ruas suburbanas, aprendendo artes, argot, / inventando Rodes: pode-se rir do trocadilho."

De Toulouse, partiu para a Universidade de Harvard, EUA, para continuar a estudar Matemática. Daí seguiu para Paris, onde em paralelo estudou filosofia. Doutorado nas duas áreas, e tendo regressado a Portugal em 1975, é desde então professor de filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Diz que se a matemática teve alguma influência na sua poesia foi para o fazer "desejar o caos".

Dos "Quatro Caprichos" – que descreve como "um poema em quatro andamentos" – não elege nenhum: "Às vezes detesto-os todos, às vezes gosto de todos..." Mas num livro concebido como uma experiência – "Ando a fazer experiências, se tudo correr bem um livro chega para a fazer, e passo a outra coisa, mesmo que não tenha sido bem sucedido" – crê que o primeiro e o terceiro são os mais experimentais e que o segundo, "corto viaggio sentimentale, capriccio italiano" revela maior continuidade em relação à sua obra. Nesta sequência encontramos das mais belas passagens do livro, como a que reproduzimos em baixo, ou ainda: "Existias de noite como a letra / de todo o movimento, e das estrelas / o céu pintado ao fundo; / e distraído, às vezes, confessava/ amar a tua pele como quem / quer dizer-te: não morras nunca mais."

O terceiro capricho, "rosencrantz, episódio dramático", é o mais breve (dez páginas), segundo Franco Alexandre "o mais capricho de todos, e o mais abstracto também".

Finalmente, o quarto, "syrinx, ficção pastoral", alterna dois narradores, o da esquerda com texto a negro, o da direita com texto a azul. Que podem ir do Tejo a Nova Iorque, do Centro Comercial Colombo à arca de Noé, da música tecno ao canto dos amantes bíblicos, até um deles dizer: "Vamos cair num poço, sem / bússola e pára-quedas, vamos ser o primeiro amor a dois no mundo."

Franco Alexandre, que na poesia portuguesa contemporânea não se sabe situar – "Não sei quem é a minha família, não sei se existe..." –, continua a tomar como influência maior os grandes textos bíblicos. Foi para os poder ler que esteve diversas vezes em Jerusalém a estudar hebraico. "É uma cultura que hoje quase desconhecemos..."

Os autores de quem eventualmente se sente mais próximo são Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge e Helder Moura Pereira, com quem em 1976 fez o livro colectivo "Cartucho". "Mas não sei se eles ainda se sentem próximos de mim..." Além dos títulos já citados, publicou "Sem Palavras Nem Coisas" (74), "Os Objectos Principais" (79), "A Pequena Face" e "Visitação" (83), "As Moradas 1& 2" (87), "Oásis" (92) e "Poemas" (96, incluindo o inédito "Moradas").

Acredita que se a poesia deve algo à música, não é a composição, mas a arte do improviso.

venho dormir junto de ti
e o meu corpo é uma coisa diferente
do que se vê ou toca ou sente;
é, fora de mim, essa coluna de ar onde respiro,
olhos que beijam o teu corpo exacto,
as muitas mãos que dobram o teu rosto.
Um deus que dorme, um deus que dança, e mais
que um mero deus, o breve amor do tempo.


© 2000 PÚBLICO
posted by George Cassiel @ 2:56 da tarde  
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"Este era un cuco que traballou durante trinta anos nun reloxo. Cando lle chegou a hora da xubilación, o cuco regresou ao bosque de onde partira. Farto de cantar as horas, as medias e os cuartos, no bosque unicamente cantaba unha vez ao ano: a primavera en punto." Carlos López, Minimaladas (Premio Merlín 2007)

«Dedico estas histórias aos camponeses que não abandonaram a terra, para encher os nossos olhos de flores na primavera» Tonino Guerra, Livro das Igrejas Abandonadas

 
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