quinta-feira, junho 23, 2005 |
Auto-reedição: |
"Bailarico no Bairro", Mário Eloy, Museu do Chiado.
"A pedido de várias famílias...", este blog reedita uns textos aqui colocados em Janeiro, sob o título "No meu bairro, ali ao fundo da rua":
I A Fábrica das Coisas Pequenas fica mesmo do outro lado da rua da farmácia das pessoas saudáveis. Ali, depois da curva onde é a entrada para o parque da Fábrica das Coisas Grandes! A fábrica das Coisas Pequenas tem uma porta onde só parece caber um anão, mas entrei. É lá que se constrói tudo o que ocupa pouco espaço: alfinetes, agrafos para agrafadores, pontas de lápis partidas, chaves de cofres pequenos, anéis de meninas, entre outras coisas, mas, principalmente aqueles bonecos minúsculos que colecciono! Ah! E os botões e os olhos de bonecas também.
A propósito da Farmácia das Pessoas Saudáveis, aproveitei a ida à Fábrica para, do outro lado da estrada, comprar alface. A Farmácia das Pessoas Saudáveis estava a fazer uma promoção de vegetais. Os sumos estavam esgotados e o mel também!
A Fábrica das Coisas Pequenas tem uma porta tão baixinha que quase não consegui entrar. Por isso é que estou com esta dor nas costas!
A Fábrica das Coisas Grandes tem uma porta gigante, mas não entrei, porque não tinha nada lá que me interessasse e estava com esta grande dor nas costas!
Não vou escrever mais, porque a ponta de lápis partida que comprei está a acabar e não posso voltar à Fábrica das Coisas Pequenas... esta dor nas costas não me deixa...
II Ali ao fundo da rua, ao virar da esquina, depois da Fábrica das Coisas Pequenas, há um bosque muito verde. Assim verde como a relva fresquinha pela manhã na primavera! Há um bosque onde costumamos ir algumas vezes por mês, quando a lua se torna grande e nos observa mais de perto.
Nesse bosque verde, como a relva fresquinha pela manhã na primavera, fica, bem lá no meio, escondida por entre os arbustos mais frondosos, numa clareira no meio das árvores, a Máquina de Fazer Sons.
Hoje fui lá ouvir o mar.
Agora, que já há ideias novas, já podemos ter a nossa própria máquina de fazer sons. Mais pequena, é certo! Mas posso tê-la em casa. Hoje, depois de ter ido ali ao fundo da rua, no meio do bosque, numa clareira, por entre os arbustos, decidi trazer uma dessas máquinas pequenas de fazer sons. Escolhi o mar.
Trouxe um buzio para casa.
III No meu prédio vivem pessoas normais.
O vizinho do 2º esquerdo esqueceu-se do cão lá fora e passou a noite a ladrar para não sentir saudades. O vizinho, não o cão!
O meu vizinho do 2º esquerdo trabalha no Arquivo Diário do Bairro. É o responsável pelas entradas no Diário que dizem respeito à nossa rua. Escreve todos os dias a maior quantidade de informação possível: a que horas saímos, para onde fomos, o que fizemos, a que horas regressámos... É uma responsabilidade enorme. Um trabalho que exige uma imensa capacidade para estar atento a todos os pormenores.
Não sei como se foi esquecer do cão! E que vergonha ter de registar isso no Arquivo Diário do Bairro!
IV Da minha porta vejo o mar. É uma porta no meu quarto, ao lado de um quadro azul. Um primeiro andar e a vista é magnífica! No verão, em dias de muito calor, mergulho para me refrescar. O vizinho do rés-do-chão empresta-me sempre uma toalha. |
posted by George Cassiel @ 11:42 da manhã |
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GEORGE CASSIEL
Um blog sobre literatura, autores, ideias e criação.
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"Este era un cuco que traballou durante trinta anos nun reloxo. Cando lle
chegou a hora da xubilación, o cuco regresou ao bosque de onde partira.
Farto de cantar as horas, as medias e os cuartos, no bosque unicamente
cantaba unha vez ao ano: a primavera en punto."
Carlos López, Minimaladas (Premio Merlín 2007)
«Dedico estas histórias aos camponeses que não abandonaram a terra, para encher os nossos olhos de flores na primavera»
Tonino Guerra, Livro das Igrejas Abandonadas |
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