sexta-feira, abril 13, 2007
MICROGRAMA (III)
Como surge tudo agora com tanta nitidez?! A clara nitidez da manhã. Agora surge tudo e percebo porque me tenho de guardar nos lugares onde se colocam as coisas que não quero perder. O tempo entrará por mim e deixar-me-á morrer lentamente, sem dor, como um ácido que corrói. Não restará mais nada, nem a tua memória que guardo. Só eu guardo. Uma raiz antiga sobressairá e novas árvores darão fruto. Mas nem eu, nem tuEstaremos para os colher. A espuma luminosa dos primeiros sonhos desaparecerá, e os sulcos do meu rosto também. Tu, então, deixarás de ser eterna, e o meu corpo regressará ao húmus. Fundir-nos-emos finalmente com tudo o resto. Nem memória, nem sonhos, nem vontades iniciais. Apenas, nada. Não há desejos antigos que possam sobreviver a este desaparecimento. Não há certezas que não se transformem em dúvidas. Não há leis que continuem eternas. Não há vida que não seja metamorfose. Por isso guardo, enquanto posso, a minha e a tua.

G. Cassiel
posted by George Cassiel @ 9:49 da manhã  
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"Este era un cuco que traballou durante trinta anos nun reloxo. Cando lle chegou a hora da xubilación, o cuco regresou ao bosque de onde partira. Farto de cantar as horas, as medias e os cuartos, no bosque unicamente cantaba unha vez ao ano: a primavera en punto." Carlos López, Minimaladas (Premio Merlín 2007)

«Dedico estas histórias aos camponeses que não abandonaram a terra, para encher os nossos olhos de flores na primavera» Tonino Guerra, Livro das Igrejas Abandonadas

 
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