quinta-feira, fevereiro 09, 2006
Por favor, um Blues*
digressão

nunca mais disse as mesmas palavras
e me ocorre o fato simples
que nunca mais as direi.

o dia foi nublado
mas não choveu.

é tarde,
é noite.
e penso nas semelhanças
entre os dias e a vida.

de quando a vida é nublada,
nuvens baixas e escuras,
mas não chove.

como se houvesse um obscuro,
por vezes irritante propósito,
de manter a tensão .
mas não há deuses,
portanto não há propósito.

o fato é que não chove,
apenas estão lá as nuvens.
o cão dorme a meus pés
seu amor incondicional.

o tempo é estranho nas suas manifestações,
sinto um prazer na vida
que me empurra a viver intensamente
e simultaneamente esses instantes
parados nos anéis de fumaça.

e sou a mesma que aos dez anos
se perguntava se deus existe,
a mesma que ontem ria um riso alto
num restaurante à beira do tejo.
a mesma grávida descendo nas ondas em ipanema,
a mesma em braços inequívocos
ou equívocos,
que todos temos o direito supremo do erro.
a mesma desfilando alegremente no salgueiro,
a mesma a digitar um poema vago
em frente à tela branca.
a mesma a amamentar os filhos com um amor
que transcende todos os poemas.
e que pretende amar
não importa a idade que tenha.
e a mesma que senta-se aqui
num pedaço perdido do tempo
sabendo que nunca mais
dirá as mesmas palavras.
mas que recosta a cabeça
sem temores:
as palavras são muitas e várias.

sou a mesma e não sou mais nenhuma.
o tempo tem truques que desconhecemos;
só a vida tem o definitivo.

silvia chueire

(Obrigado, Sílvia, por me ter enviado a mensagem com este poema. É, também, assim que se "desabandona" o blog!)
posted by George Cassiel @ 9:26 da manhã  
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"Este era un cuco que traballou durante trinta anos nun reloxo. Cando lle chegou a hora da xubilación, o cuco regresou ao bosque de onde partira. Farto de cantar as horas, as medias e os cuartos, no bosque unicamente cantaba unha vez ao ano: a primavera en punto." Carlos López, Minimaladas (Premio Merlín 2007)

«Dedico estas histórias aos camponeses que não abandonaram a terra, para encher os nossos olhos de flores na primavera» Tonino Guerra, Livro das Igrejas Abandonadas

 
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